quinta-feira, agosto 03, 2006

Carta à minha Mãe


"Querida, querida mamã:

Começarei por citar quem admiro na escrita, sublinho, na escrita: 'todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.' Não sei portanto se daqui sairá uma carta ridícula, mas sei que isso não é importante.
É difícil perceber porque é que as coisas, sendo relativamente simples, se tornaram tão complicadas. O nosso estigma diário, as feridas reabertas, as infecções que insistem em sobreviver. É mesmo difícil perceber a lógica.
Sempre acreditei que as coisas acontecem por um motivo, que as lições estão ao virar do acontecimento, que nos fazem pessoas melhores, a vida enfrentada com ferramentas a sério. O destino, não sei bem porquê.
Acreditas no destino, mamã? Nos desígnios de Deus?
Eu posso dizer que sim, mas ainda existem pontos dessa lição divina que são um verdadeiro mistério.
Quero dizer, já percebi porque é que a minha infância e adolescência trilharam os caminhos sinuosos que me trouxeram até aqui. Confirma-se inclusivé a tese de que esse passado fez de nós pessoas melhores, mais despertas, mais atentas.
Só que há um plano de Deus que eu continuo sem compreender. O principal plano. A principal dúvida.
Tu, mamã.
Se tento parar para perceber o que a Divina Providência te reserva, sou engolida pelos becos sem saída, pelas casas sem janelas, pelas prisões morais, pela pura estupefacção. Será que a resposta está ao virar da página? Será que essa vida que é tua e que está na cara que deveria ser (quase?) perfeita ainda vai desabrochar na felicidade que mereces? Será que não?...
Ver-te sofrer é sofrer-te na carne, as infecções outra vez. E eu até sei que há muito mais para além desse tu que sofre. Há o que ama, o que ri, o que brilha, o que amadurece (como um bom Porto!), o que sobrevive, o que aprende e aprecia, o que dá e o que recebe, sei lá! Uma infinidade de tus que fazem de cada dia um dia melhor!
E só há um tu que dói.
E é esse que é o problema.
Recuso-me a aceitar esse tu de ânimo leve. Por isso sou uma criança birrenta quando tenho de o encarar. Não o quero e bato o pé. E faço birra por capricho. Porque sim.
Não sei se gosto de ser adulta, principalmente por causa disto. Um adulto deve ser civilizado e consciente; ponderado e até mesmo compreensivo.
Lamento, mas onde deveria ser mais adulta, é precisamente no ponto onde a minha infância teima em resistir. E porquê?...
Por amor a ti, a minha insuperável Mãe.


Quando for grande, quero ser como tu.

Tua filha,
Cláudia"

2 comentários:

Sandrinha disse...

(Se calhar nem devia estar a comentar, por isso os "()" mas é uma lufada de ar fresco ler-te! Tenho a certeza que a tua querida mãe vai amar!)

mae_querida disse...

Mais vale tarde do que nunca, como diz o ditado popular, aqui vão alguns comentários.
Não concordo com o poeta, as cartas de amor são ridículas, desde que elas expressem sentimentos verdadeiros.
As coisas são simples nós é que as complicamos e nada acontece por acaso. O que nos acontece faz parte de um processo de crescimento que devemos utilizar com critério, tirando sempre uma lição positiva. O destino somos nós que o contruímos. O mesmo acontecimento para mim e para ti tem, concerteza, resultados diferentes. Não te esqueças da frase " Deus escreve direito por linhas tortas".
Quanto a mim, não te preocupes, se não fosse o sapo, que já foi príncepe, tu e teus irmãos não estariam cá, só por isso tudo valeu a pena, mas há mais, tudo isto me tem ajudado a crescer. Os momentos felizes estão por ai, é só saber aproveita-los, só nós, e não os outros,somos responsáveis pela nossa vida. Utopicamente, ainda acredito que o sapo se transforme em príncepe. Sonhar não custa